A invasão de Portugal pelo exército francês, em fins de
1807, teve como causas remotas a antiga aliança com a Inglaterra, a política
dúbia e hesitante do príncipe regente (D. João VI, que governava desde 1799,
porque sua mãe, a rainha D. Maria I, havia enlouquecido em 1792) e, como causa próxima,
o bloqueio continental decretado pela França à Inglaterra, que fechava a este
país todos os portos da Europa.
Napoleão exigiu que Portugal fechasse não só os portos aos
navios ingleses, mas que declarasse também guerra à Inglaterra, nossa velha
aliada.
O governo português recusou-se a cumprir fielmente as ordens
de Napoleão, seguindo uma política de indecisões, que levou o Imperador a
assinar com a Espanha o tratado de Fontainebleau (27 de Outubro de 1807), pelo
qual o nosso país era dividido da seguinte maneira: a província de Entre-Douro
e Minho, tendo o Porto por capital, constituía a Lusitânia septentrional e era
dada à Rainha da Etruria; o Alentejo e o Algarve formavam um principado para o
ministro espanhol Godoy, sob o protectorado da Espanha; as restantes províncias
eram destinadas à França, para Napoleão dispor delas à sua vontade.
Para se dar execução ao tratado de Fontainebleau foi o reino
invadido por tropas espanholas e francesas, sendo estas comandadas por Junot.
Foi então que os Ingleses aconselharam o Príncipe regente,
D. João VI, a que se retirasse para o Brasil, o qual não hesitou, logo que teve
conhecimento da invasão. Antes de- embarcar, o Príncipe pediu à nação que
recebesse os Franceses como amigos.
O exército francês, coroado de glória, atravessou rapidamente
a Espanha, em marchas forçadas, no princípio do Inverno. Estas marchas
desorganizaram-no dum modo espantoso. O vento, a chuva e a neve destroçaram-no
ainda mais. As colunas perdiam a formatura e muitos soldados ficavam inanimados
ao longo dos itinerários, devido ao cansaço e às privações sofridas.
A maior parte das espingardas dos seus soldados, que estes
utilizavam como qualquer varapau, não estavam em condições de servir. A
cavalaria vinha quase toda apeada, por terem morrido muitos cavalos. A pouca
artilharia que restava era puxada a bois e grande número de carros de munições
tinham caído nos barrancos ou sido abandonados ao longo do percurso. Dos 26.000
homens altivos com que Napoleão saíra de França, chegaram a Alcântara cerca de
20.000 soldados, completamente extenuados, sem uniformes ou com eles
esfarrapados, descalços, indisciplinados, mortos de fome e de fadiga. As
povoações por onde passavam eram saqueadas e mortos alguns dos seus habitantes,
embora se tratasse de «país amigo». Foi com um exército nestas condições que
Junot chegou a Alcântara (em Espanha) a 17 de Novembro de 1807, distante 14
quilómetros de Segura, ou seja, portanto, da fronteira portuguesa. Naquela vila
espanhola requisitou quantos sapatos havia, para calçar as suas tropas, alguns
bois e a pólvora de um grande paiol ali existente, porque nem pólvora trazia
já.
Tinha pressa de chegar a Lisboa, e por isso, no próprio dia
18, colheu informações em Segura e no Rosmaninhal, que lhe deram a certeza das
disposições (pacíficas do país e de que era ainda desconhecido nele a
aproximação das tropas francesas. Decidiu, pois, continuar a marcha com o seu
exército andrajoso e indisciplinado. Ainda no dia 18 de Novembro saiu de
Alcântara uma companhia de atiradores, que atravessou a ponte de Segura e
entrou nesta povoação portuguesa, que foi a primeira onde penetraram as tropas
francesas.
A 19 saiu a vanguarda de Alcântara, sob o comando do general
Maurin, seguindo por Segura, Zebreira e Idanha-a-Nova. Pernoitou aqui, seguindo
na manhã de 20 para Castelo Branco, onde chegou às 6 horas da tarde, fazendo-se
preceder da secção de quartéis, que entrara às 4 horas.
No mesmo dia 20, saíam de Alcântara as restantes forças,
que, ao chegarem a Segura, se repartiram pelos itinerários: Segura-Rosmaninhal-Monforte-Castelo
Branco, Segura-Zebreira-Idanha-a-Nova-Castelo Branco e
Segura-Zebreíra-Ladoeiro-Castelo Branco.
Forças que tinham ficado em Zarza la Mayor entraram depois
por Salvaterra do Extremo, seguindo por Zebreíra-Ladoeiro-Castelo Branco.
Como se comportou a tropa na sua passagem por Segura e pelas
restantes povoações da raia? Não encontrámos elementos para desenvolver este
ponto e a tradição oral é muito fraca para nos elucidar. Sabemos, porém, que em
Idanha-a-Nova e Castelo Branco cometeu roubos, assassinatos e os maiores
excessos. Junot ia enganando os habitantes, na sua marcha, com palavras de
amizade e de protecção, ao mesmo tempo que o seu exército os roubava e
devastava. Desde que entrou em Portugal, fez espalhar uma proclamação, datada
do seu Quartel General, ern Alcântara, a 17, pela qual fazia constar: «Que
entrava com as suas tropas a marchas forçadas, para ir salvar a bela cidade de
Lisboa da sorte de Copenhague, fazendo causa comum com o nosso amado Príncipe
contra o tirano dos mares (a Inglaterra), a quem este tinha declarado a
guerra». A proclamação continuava: «Habitantes pacíficos do campo: nada
receeis. O mey exército é tão bem disciplinado, como valoroso. Eu respondo, sob
a minha honra, pelo seu bom comportamento. Ache ele por toda a parte o
agasalho, que lhe é devido como a soldados de Napoleão o Grande. Ache ele, como
tem direito a esperar, os víveres, de que tiver precisão, mas sobretudo o
habitante dos campos fique sossegado em casa. Dou-vos a conhecer as medidas
tomadas para garantir a tranquilidade pública. Eu cumprirei a minha palavra».
«Todo o soldado francês que for encontrado roubando, será
punido com o mais rigoroso castigo.
«Todo o indivíduo, de qualquer ordem que seja, que tiver
recebido alguma contribuição injustamente, comparecerá perante um conselho de
guerra, para ser julgado com todo o rigor das leis.
«Todo o indivíduo do reino de Portugal, não sendo soldado da
tropa de linha, que for preso, fazendo parte de qualquer ajuntamento armado,
será fuzilado.
«Todo o indivíduo convencido de ser chefe de ajuntamento ou
de conspiração, tendente a armar os cidadãos contra o exército francês, será
fuzilado.
«Toda a cidade, vila ou aldeia, em cujo termo for assassinado
um indivíduo pertencente ao exército francês, pagará uma contribuição, que não
poderá ser menor que três vezes o seu rendimento anual. Os quatro habitantes
principais servirão de reféns para pagamento da quantia; e para que a justiça
seja exemplar, a primeira cidade, vila ou aldeia, onde for um Francês
assassinado, será incendiada e arrasada por completo.
«Mas eu quero persuadir-me que os Portugueses hão-de conhecer
os seus verdadeiros interesses; que, auxiliando as intenções pacíficas do seu
príncipe, nos receberão como amigos que particularmente a bela cidade de Lisboa
me verá com praz entrar em seus muros à frente de um exército único, que a pode
preservar de ser presa dos eternos inimigos do continente.»
Assim termina a proclamação de Junot, com as suas promessas
e as suas ameaças. O escritor José Acúrsio das Neves na «História Geral das
Invasões Francesas», diz que «assim que o exército se viu num país, onde
julgava que tudo lhe era permitido, foi uma torrente devastadora, que ia
destruindo tudo diante de si. As aldeias despovoavam-se de habitantes, e a
tropa que queria tudo, e não achava coisa alguma, porque nada estava prevenido,
metia-se pelas casas, roubava e queimava quanto encontrava. Olivais, pinhais e
outros arvoredos eram destruídos uns para servirem de barracas, outros para o
lume; povoações inteiras entregues à pilhagem; templos profanados e roubados
sem se perdoar aos vasos sacrossantos e imagem sagradas, sacrílega e brutalmente
queimadas ou picadas com as baionetas».
Em face do exposto, não andaremos longe da verdade se
afirmarmos que o exército invasor não poupou também as povoações raianas e, por
consequência, Segura.
Doutro modo não se explicaria a fugida em massa da população
de Segura para os matos, especialmente para o Tramal vivendo em tendas 1) e outros abrigos improvisados, facto este
relatado pela tradição oral. As tendas do Futre e da Pereira na região do
Tramal, são deste tempo.
A torre de menagem do antigo castelo, ao tempo ainda de pé,
foi seriamente danificada nessa altura.
Junot entrou em Lisboa, sem resistência, no dia 30 de
Novembro de 1807, com 1.500 homens apenas. As restantes forças entraram nos
dias seguintes.
Portugal começou então a sofrer todo o género de opressões,
levando-o a revoltar-se contra a dominação francesa.
Auxiliados pelos Ingleses, vencemos as tropas francesas nas
batalhas de Roliça e Vimeiro, em 17 e 21 de Agosto de 1808.
Pela Convenção de Sintra, assinada nove dias depois, os
Franceses obrigaram-se a evacuar o reino, sendo transportados, com armas e
bagagens, para a França, a bordo de navios ingleses, sem condição alguma.
1)
Tenda — Construção
tosca, cilíndrica, em piçarra, com uma abertura cónica, feita igualmente de
piçarras, paus e terra batida.
Subsidios para a monografia de
Segura de Mário Marques de Andrade
Sem comentários:
Enviar um comentário